Por Fernando Martins
Fotos: Fernando Martins e Paula Serra
Em protesto contra a Proposta de Emenda Constitucional 241 (nomeada PEC 55 no Senado), que pretende congelar gastos públicos por 20 anos, e também contra a Medida Provisória 746, que tem como objetivo reformular o ensino médio, diversas pessoas ocuparam a Câmara dos Vereadores de Guarulhos (SP) no último dia 20 de outubro.
Estudantes, artistas, professores e trabalhadores em geral lá permaneceram acampados durante onze dias, realizando uma série de atividades culturais, como shows e saraus, além de diversos debates sobre as atuais políticas do governo federal.
A situação mudou na última quinta-feira (27). Após a divulgação de um vídeo onde dois jovens supostamente praticavam relações sexuais, a pressão em torno da ocupação aumentou e o presidente da Câmara, o professor Jesus Roque Freitas (DEM), pediu reintegração de posse do local.
“Quando eu cheguei na Casa, na quinta, me avisaram que havia ocorrido isso (divulgação do vídeo). Eu estava entendendo a ocupação como um ato democrático. Mas a votação foi na terça e eles continuaram lá. Na quarta não saíram e então, na quinta, entramos com um pedido de reintegração de posse”, disse o presidente da Câmara, professor Jesus, em entrevista ao site G1.
Na sexta-feira (28), após alegação de que um ato, promovido pelo MBL (Movimento Brasil Livre), poderia ameaçar a segurança dos jovens, a Guarda Civil Metropolitana trancou as portas da casa legislativa. Tudo não passou de uma farsa, segundo a visão dos estudantes.
A secundarista, Gabriela Batista*, de 17 anos, conta como foi o processo de trancamento da Câmara: “Com a ameaça desse ato, a gente se deixou levar pela pressão psicológica, que foi justamente a estratégia deles. Quando percebemos que não havia nenhum ato significativo, os policiais alegaram que era uma ordem do presidente da Câmara, que, pelo vídeo divulgado, nós havíamos ferido a moralidade da casa. Pedimos que mostrassem o vídeo e o papel que determinava essa ação, mas nenhuma solicitação foi atendida, mesmo com advogados presentes”.
A partir de então, instalou-se um clima tenso, com viaturas e policiais em grande número, ocupando o estacionamento do prédio e, portanto, com acesso livre à ocupação.
“Ficamos trancados, com o ar condicionado ligado todo o dia, em uma temperatura de 13ºC e, além disso, os representantes dos vereadores eram sempre agressivos, os policiais sempre com cassetetes em mãos”.
A estudante continua: “Ninguém podia entrar e sair, só se fosse para não voltar mais, exceto duas pessoas tinham entrada permitida após saírem, para buscar comida. A gente vê a clara estratégia de, sob condições desumanas, forçar o esvaziamento da ocupação e derrubar a gente. Eu lembro que ninguém conseguiu dormir naquela noite, ficamos esgotados psicológica e fisicamente, como uma companheira que saiu chorando, carregada, com crise de rinite. A nossa alimentação também não era adequada, pois comíamos apenas pães, bolos e outras coisas de fácil acesso, pois uma refeição completa era difícil de ser feita no local ou mesmo levada até lá. Na sexta-feira, à noite, também tivemos a água cortada durante cerca de três horas, o que entendemos como um aviso”.
Sob pressão, os jovens resolvem dar fim à ocupação por concluírem que o objetivo do grupo já havia sido concluído, inclusive com um aumento significativo de participantes ativos no movimento, alcançando mais de cem pessoas envolvidas, dentro e fora da ocupação.
A estudante de pedagogia da UNIFESP, Mariane Souza*, que também esteve presente na ocupação estudantil, faz uma avaliação sobre o fim do movimento dentro da Câmara: “Foi vitoriosa, apesar da repressão, da pressão e desgaste físico e psicológico, nos mantivemos firmes e fortes na pauta e cumprimos todos os objetivos”. A secundarista Gabriela complementa: “Mesmo sem apoio da mídia, Guarulhos inteira sabia de nossa ocupação. Conversamos com a população, fizemos saraus, aulas públicas, onde alcançamos quase 30 mil pessoas ao todo através de nossa página.
Mariane destacou também o aprendizado adquirido durante toda a vivência com a ocupação, superior aos ensinamentos oriundos da sala de aula tradicional: “Com certeza, aprendemos mais na ocupação, porque ela uniu a teoria à prática, o que a escola e a universidade, infelizmente, não fazem. As aulas e os debates fortaleceram nossa base intelectual sobre a pauta e outras questões tão difíceis de serem debatidas nesse atual momento conservador da política, nos dando ainda mais gás para lutarmos contra os retrocessos. E a nossa forma de organização horizontal, em que tudo foi discutido em assembleias e roda de conversa, as tarefas distribuídas em comissões rotativas nos trouxeram senso de responsabilidade e aprendendo a cuidar dos outros e de nós mesmos”.
Sobre o fim, da ocupação, Gabriela destacou a necessidade de fazer um ato com muito barulho mesmo, pois a cidade precisa entender a gravidade da situação: “Na saída, nós gritamos alto, resistindo e mostrando a nossa força com a manifestação, bem no horário de pico”. O ato percorreu as principais avenidas do centro de Guarulhos, entre às 18h e 20h, e foi encerrado em uma assembleia, na praça Getúlio Vargas, onde foram encaminhados os próximos passos para dar sequência à luta contra a PEC 241 (renomeada no senado como PEC 55), e também contra a MP 746.
Pelo Brasil, são mais de mil ocupações, segundo a União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES), sendo a grande maioria de escolas e institutos federais, principalmente no estado do Paraná. Guarulhos foi a primeira e, até então, única localidade a ocupar a Câmara dos Vereadores.
*Foram usados nomes fictícios por solicitação das entrevistadas