Por Luciano Dantas
Fotos: Lucas Toth
Você já ouviu falar de moeda social? Já imaginou um garoto de 12 anos gerindo uma quadra poliesportiva pública? Ou então uma garota de nove anos que é responsável por uma oficina de bonecas Abayomi? Acha impossível? Não para a Associação Beneficente, Cultural, Social e Desportiva Fábrica de Sonhos do Cambuci.
O evento
No último sábado (14), aconteceu a quarta edição do Festival Arte&Vida na Praça, realizado na Praça José Vicente da Nóbrega, ou simplesmente Barroca, no bairro do Cambuci. Logo cedo, moradores chegavam ao local para organizar as barracas: macarronada, pastel, doces caseiros e bebidas, com direito a sucos naturais. “Tudo bem baratinho, pra caber no bolso de todo mundo e ajudar quem trabalha aqui a pagar as contas em casa”, garante Ana Reis, idealizadora do festival e fundadora da associação.
Além das barracas que estavam ali dispostas, também aconteceram diversas atividades: festival de futsal infantil, oficina de bonecas Abayomi, apresentação de Atabaque, roda de capoeira, seminário de Jiu-Jitsu, oficina de contação de histórias, oficina de pipas, oficina de cisterna, oficina de sling e apresentações musicais, levando as ideias das rappers Issa Paz e Sarah Donato, apresentando seu Rap Plus Size, além de Souto MC, Gabi Nyarai e também a roda de samba e poesia do projeto Sambarau.
A Fábrica
A Fábrica dos Sonhos surgiu há dois anos, a partir da necessidade de garantir autonomia financeira local e cultura para o bairro, localizado na região centro-sul de Sampa. “A Fábrica nasceu porque o Cambuci é uma periferia esquecida pelo poder público. Os casarões da região passam a ideia de riqueza, mas quando você vai ver, do portão pra dentro têm duas, três ou mais famílias vivendo ali, além das várias ocupações que compõem a quebrada. As crianças precisam disso, sabe?!”
A nomenclatura “Associação”, por sua vez, se deu por conta da “burrocracia” imposta por órgãos públicos, segundo a agente social.
Os sonhos
Situada ao lado da Barroca, a Fábrica dos Sonhos ocupa um espaço antes abandonado pela Prefeitura, e é impossível não destacar as atividades que rolam ali, fomentadas por voluntariedade e união das moradoras e moradores. São elas: aulas de idioma, capoeira, judô, oficinas de atabaque e poesia.
“Sabe o que é? A gente precisa andar junto. Esse lugar era tido como espaço de gente drogada, estava abandonado e a gente viu a oportunidade de empoderar qualquer morador da região a ocupar os espaços públicos e participar do planejamento urbano da quebrada. O que a gente quer aqui é abrir caminhos para que cada um possa realizar seu sonho sem depender de ajuda pública”, afirma Ana, que continua: “Sabe, há poucos meses a Prefeitura veio falar com a gente. Disseram que poderíamos nos tornar um ponto de cultura da cidade. Sabe o que eles ouviram? Que aqui não tem boi, não tem essa de política pública. Hoje eles te dão uma migalha e amanhã você está dançando a música no ritmo deles. No Cambuci, não!”
Moeda Social
No Cambuci, o sonho não é só o que se apresenta a nós através de imagens, pensamentos e fantasias enquanto dormimos, tampouco o doce da padaria, mas sim a moeda a ser implementada na região. “Quem tem dinheiro? Você tem 10 conto aí no bolso? Eu não”, afirma a agente, “Então a gente precisa inventar a questão financeira, né?! E se dinheiro serve para ‘chegarmos lá’, que seja enxergado como Sonho, e não como uma cédula de valor financeiro.” Cada nota de sonho leva o rosto de um morador do Cambuci, e dessa forma, dando preferência ao consumo na região, a economia do bairro se fortalece, e os moradores passam a participar cada vez mais da vida e dos sonhos uns dos outros.
Finalizando a conversa, Ana ainda avisou: “Ó, o MinC (Ministério da Cultura) caiu. Não existe mais. Tá vendo a gente aqui? Então, isso acontecia quando o ministério existia, e continua acontecendo agora. Sabe por que não precisamos deles pra fazer acontecer? Porque somos um. Porque não dependíamos deles antes e não vamos depender agora. Dependemos um do outro, debaixo pra cima, de maneira conjunta e somativa”.